O Metamantra
O Metamantra é um sussurro esotérico de cifras matemáticas.
Um compêndio de imagens, escritos e notícias de portais, atravessamentos sobrenaturais e infracorpóreos, tecnologias e gadgets obsoletos.
É a crença de que no espaço entre o um e zero cabem todas as coisas.
É uma performance em processo de criação, levantada de maneira independente, através de parcerias.
***
Ouvir é mais dramático que ver, diz Bachelard.
As massas de ar sem sombra que espancam nossas orelhas.
O som, o som é o início e o fim da explosão. O silêncio surdo do fundo dos mares.
O insuportável silêncio das fotos do lixo boiando no espaço ao redor de nós.
Metamantra é uma palavra inventada, pra dizer de algo que tem origem no som,
mas que está pra além dele

ensaio de O Metamantra [dez|2019]
imagens: Mariana Molinos
montagem: Marina Matheus

[em processo]
Concepção, dramaturgia e direção: Marina Matheus
Criação e performance: Felipe Teixeira e Marina Maheus
Pensamento Visual: Érico Peretta e Marina Matheus
[set/2020] Lab de Trocas do CRDSP - Primeiro teste de navegação aberto a público, em contexto de isolamento social.
Uma vez me deparei com um link de BuzFeed que anunciava: ‘27 pessoas que tentaram tirar fotos panorâmicas e acabaram abrindo as portas do inferno’. As imagens de bebês com três cabeças, cavalos de 8 metros de comprimento e paisagens cataclísmicas teoricamente impossíveis de serem fotografadas diretamente sem o auxílio de uma pós-edição todas ali, tranquilamente exibidas, como assombrosas, risíveis, nojentas, confusas tentativas frustradas. O uso “falho” de um recurso algorítmico como a edição instantânea de uma foto panorâmica produzindo universos grotescos, catastróficos, diabólicos, inexistentes.
A popularização dos meios de captação de imagem e o uso indiscriminado de tecnologias consideradas rudimentares se comparadas ao que há de mais avançado na fotografia e no cinema ali, produzindo pesadelos marítimos, dimensões paralelas, novas formas de vida em telas de pixels. Produzindo uma coisa outra que não aquilo que se esperava, que não aquilo que a tentativa se propunha a captar. Essas referências se tornaram um imenso portal de abertura para pensar, numa aproximação poética e irresponsável com os termos científicos, como os erros na manipulação dos códigos binários são capazes de abrir fissuras em nosso entendimento do que é a realidade.



mural digital: Marina Matheus e Érico Peretta


Pus-me então a observar quais relações binárias mais evidentes havia no movimento humano e nos movimentos cósmicos, ao mesmo tempo em que fui criando esse compêndio de informações e narrativas que de alguma forma se conectavam. Fotos com predominância dos tons de azul, as panorâmicas mal sucedidas, textos sobre a tensão entre a vida geológica e a vida humana, as infinitas abstrações que as cifras da economia e do tempo produzem, a dificuldade do outro e a dificuldade do amor, notícias sobre uma plataforma aeroespacial chamada Barreiras do Inferno, memórias de uma juventude que hoje delimitam como geek, o fascínio pela matemática, imagens de lixo marinho e lixo espacial, imagens de lagostas em livros de filosofia, plataformas de petróleo que prospectam o fundo dos oceanos estranhamente parecidas com plataformas de lançamento de foguetes. E a intuição de que todas essas coisas se relacionavam no meu imaginário através do imponderável evento do surgimento do som.
Concentrei-me então no som, e nas imagens de origem e fim do universo. Se o trabalho já tinha uma inclinação metafísica, agora mais do que nunca aí estava minha oportunidade de falar sobre Deus e o Diabo (também uma relação binária passível de fissura) através dos números, das prosas prolixas, da confusão mental e sensorial desse apanhado de coisas que agora também seria um apanhado de sons.
Pondero então sobre como dois corpos que orbitam o espaço em sentidos opostos e que eventualmente entram em rota de colisão, em vez de colidirem deterministicamente, podem experimentar uma qualidade de encontro na qual os atravessamentos de um pelo outro criem experiências sensoriais que fissuram as narrativas oficiais do que seria o espaço, o tempo e as relações humanas que consideramos viáveis.
Treinar agir concretamente, até que o espaço se dobre de um jeito diferente.










A pesquisa de O Metamantra estendeu braços para uma versão online de navegação encantatória criada para a Residência Leste 2020 do SESC Itaquera, chamada
O horror metafísico do infinito (+)
Se eu permitir que furem meus tímpanos
que uma faca lamba minha córnea
que minha cabeça se abra e novas conexões se refaçam
que nenhuma dor eu perceba
que nesse processo minha cabeça seja assento da novidade
daquilo que sempre foi - o vazio acompanhado
Se eu chegar a viver esse momento, o coração do imaterial se abrirá
e não vou mais precisar lidar com o fato de que sinto
de que escuto os trovões dos grandes corpos
celestes se deslocando e
da passagem da vida pra morte pra vida
- o tempo todo?
Eu pressinto os movimentos geológicos
As montanhas craquelando
Eu vejo o corte bidimensional das fotos de superfícies de planetas,
todos com suas lisuras contrastadas em primeiro plano
no fundo o vazio
E todos são redondos e se angulam da mesma maneira
Uma esfera é sempre uma esfera
O pi é sempre o pi
Piton
Serpente
Socorro
Morri.
trecho de dramaturgia de O Metamantra
por Marina Matheus